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Foto do escritorDivanise Salto

Como a Lua afeta seu humor - matéria BBC News Brasil agosto 2019

Aficionado por resolver enigmas, um engenheiro de 35 anos que chegou à clínica psiquiátrica de David Avery precisou quebrar a cabeça para resolver uma questão que estava tirando ele mesmo do sério.

Seu humor oscilava fortemente de um extremo a outro, às vezes envolvendo pensamentos extremamente negativos ou vendo e ouvindo coisas que não estavam ali. Seu padrão de sono era igualmente irregular, indo da insônia quase total a 12 horas de descanso profundo em uma noite.

Sendo um solucionador de problemas, o homem mantinha registros meticulosos desses padrões - uma tentativa de encontrar algum sentido na questão.

Avery, que trabalhava na clínica onde o paciente foi internado em 2005, mergulhou nesses registros.

"A periodicidade dos ciclos me intrigava", lembra.

Veio um palpite de que os padrões de sono do paciente acompanhavam o movimento dos oceanos - estes sabidamente impulsionados pela atração gravitacional da Lua, mas isso logo lhe pareceu uma loucura.

"Parecia haver uma associação entre marés altas e as noites em que a duração do sono era curta", lembra Avery.

Mesmo que os ciclos de humor do paciente estivessem em sincronia com a Lua, Avery não tinha nenhum mecanismo para explicá-los, nem qualquer ideia sobre o que fazer a respeito.

O paciente recebeu a prescrição de medicamentos e fototerapia e, posteriormente, teve alta.

Já Avery colocou as anotações do engenheiro em uma gaveta e as esqueceu.

Doze anos depois, o renomado psiquiatra Thomas Wehr publicou um artigo descrevendo os casos de 17 pacientes com transtorno bipolar de ciclos rápidos, em que a alternância entre depressão e mania acontece de forma mais veloz que o habitual.

Como o paciente de Avery, eles também apresentavam uma certa regularidade no padrão de manifestação dos sintomas.

"O que me impressionou nesses ciclos foi que eles pareciam surpreendentemente precisos, de uma forma que você não esperaria necessariamente de um processo biológico", diz Wehr, professor emérito de psiquiatria do Instituto Nacional de Saúde Mental em Bethesda, nos Estados Unidos.

"Isso me levou a questionar se havia algum tipo de influência externa orientando esses ciclos."

Considerando a antiga crença de que a Lua afeta o comportamento humano, "a coisa óbvia a considerar era se havia alguma influência lunar", avaliou o professor.

Durante séculos, as pessoas acreditaram que a Lua afeta o comportamento humano. A palavra lunação deriva do latim lunaticus, que significa algo como uma alucinação.

Tanto o filósofo grego Aristóteles quanto o naturalista romano Plínio, o Velho, acreditavam que a loucura e a epilepsia eram causadas pela Lua.


Acredita-se também que mulheres grávidas têm mais chances de dar à luz na Lua cheia, mas as evidências científicas para comprovar isso ainda são inconsistentes.

Da mesma forma, ainda carecem de maior consistência indícios de que o ciclo lunar influencia a violência entre pacientes psiquiátricos ou presos reclusos.


Um estudo recente, por exemplo, indicou que ações criminosas ao ar livre, como nas ruas ou praias, podem aumentar quando há mais luz da Lua.


As evidências são mais fortes na indicação de que o sono varia ao longo do ciclo lunar, mas também há carência de mais estudos.


Wehr estudou com pacientes bipolares - em alguns casos, acompanhando as datas de suas flutuações de humor por anos.

Ao fazer isso, Wehr descobriu que seus pacientes se enquadravam em duas categorias:

na primeira, o humor parecia seguir um ciclo de 14,8 dias;

no segundo, o ciclo era de 13,7 dias - embora algumas vezes essas fases se alternassem.


Em contraposição às muitas coisas que não sabemos sobre a influência lunar, há outras sobre as quais o conhecimento é consolidado.

A primeira e mais óbvia é sobre o luar, com uma Lua cheia chegando a cada 29,5 dias e uma Lua nova aparecendo 14,8 dias depois disso.

Depois, há a atração gravitacional da Lua, motor do movimento das marés - que sobem e descem a cada 12,4 horas.

A altura dessas marés também segue aproximadamente ciclos de duas semanas: um, de 14,8 dias, é impulsionado pela atração combinada da Lua e do Sol, que formam uma linha e configuram a chamada maré viva ou de cabeça; no outro, de 13,7 dias, a Lua fica em posição perpendicular em relação ao equador da Terra, o que faz a atração exercida ser menor e, por isso, essa etapa é conhecida como maré morta.


O humor dos pacientes de Wehr parecia estar em sincronia com estes ciclos de aproximadamente duas semanas. Não é que eles necessariamente mudassem da depressão para um comportamento de mania a cada 13,7 ou 14,8 dias, mas que estas alterações tendiam a ocorrer em certas fases.


Depois de ler este trabalho, Avery ligou para Wehr e ambos se debruçaram novamente sobre as anotações do engenheiro de 35 anos - descobrindo que este, também, tinha um padrão de 14,8 dias em seus ciclos de humor.


Outra evidência para a influência da Lua no humor desses pacientes vem da descoberta de que, a cada 206 dias, esses ritmos regulares parecem ser interrompidos por outro ciclo lunar - aquele responsável pela "superlua", quando a órbita elíptica (ou oval) da Lua chega particularmente mais perto da Terra.


Anne Wirz-Justice, crono biólogo do Hospital Psiquiátrico da Universidade de Basel, na Suíça, descreve as associações entre humor e ciclos lunares de Wehr como "incríveis", mas "complexas".

"Não se tem ideia de quais são os mecanismos por trás (desta relação)", aponta.


Sono, Lua e humor

Já a associação entre dormir e as fases lunares, que parece existir, poderia fazer pressupor que o sono por tabela influencia o humor.


A importância do sono é particularmente relevante para pessoas bipolares, cujos episódios de alteração do humor são frequentemente precipitados pela interrupção do sono ou dos ritmos circadianos (ciclo fisiológico de aproximadamente 24 horas que ocorre na maioria dos organismos vivos).


Considerando a ideia de que a Lua poderia de alguma forma afetar o sono dos pacientes, Wehr descobriu que à medida que os dias passam, a hora do despertar fica a cada vez um pouquinho mais tarde, enquanto o tempo de sono permanece o mesmo.


Isso significa que a duração do descanso aumenta progressivamente, até ser abruptamente encurtada. Este ponto de virada é frequentemente relacionado ao início da mania.

Mas qual propriedade da Lua poderia afetar o pobre sono dos mortais? Wehr acha difícil que seja a sua luz.

"No mundo moderno, há muita poluição e passamos tanto tempo dentro de casa expostos à luz artificial que os sinais de mudança da iluminação da Lua foram obscurecidos", argumenta.

Em vez disso, o psiquiatra suspeita que um outro aspecto da influência lunar esteja perturbando o sono de seus pacientes, com consequências implacáveis ​​para o humor: a atração gravitacional exercida pela Lua.

Uma hipótese é que isso desencadeia flutuações sutis no campo magnético da Terra, às quais algumas pessoas podem ser sensíveis.

"Os oceanos são condutores elétricos porque são compostos de água salgada, e conforme eles fluem com as marés, há um campo magnético associado aí", explica Robert Wickes, especialista em clima espacial da University College London, na Inglaterra.

No entanto, permanece a questão se o efeito da Lua no campo magnético da Terra é forte o suficiente para induzir mudanças biológicas.


A possibilidade magnética

Alguns estudos já ligaram a atividade solar ao aumento de ataques cardíacos, derrames, crises epiléticas, esquizofrenia e até suicídios.


Quando erupções solares atingem o campo magnético da Terra, isso induz correntes elétricas invisíveis fortes o suficiente para derrubar redes de abastecimento inteiras.


Outras pesquisas sugeriram também que a atividade solar pode afetar células eletricamente sensíveis no coração e no cérebro.

"O problema não é que não seja possível que essas coisas aconteçam, é que a pesquisa é muito limitada - por isso, é muito difícil dizer algo definitivo", explica Wickes.

Por um lado, diferente de certos pássaros, peixes e insetos, os humanos não são considerados portadores de um senso magnético. Mas por outro, um estudo publicado no início deste ano desafiou essa afirmação.


Descobriu-se que pessoas expostas a mudanças no campo magnético - equivalentes àquelas que experimentamos à medida que nos movemos no nosso entorno - tiveram fortes reduções na atividade das ondas alfa cerebrais.


As ondas alfa são produzidas quando estamos acordados, mas não realizando qualquer tarefa específica. O alcance dessas manifestações detectadas ainda não está claro - podem ser um subproduto irrelevante da evolução ou, em um quadro mais complexo, o campo magnético pode estar alterando sutilmente nossa química cerebral de maneiras que desconhecemos.


A teoria magnética é atraente para Wehr porque, ao longo da última década, vários estudos sugeriram que, em certos organismos, como moscas da fruta, uma proteína chamada criptocromo pode também funcionar como um sensor magnético.


O criptocromo é um componente chave para o controle dos ritmos circadianos de 24 horas em nossas células e tecidos, incluindo o cérebro.


Quando o criptocromo se liga a uma molécula que absorve luz, chamada flavina, isso não só sinaliza para o organismo que é dia, mas desencadeia uma reação que faz com que o complexo molecular se torne magneticamente sensível.


Bambos Kyriacou, um geneticista comportamental da Universidade de Leicester, na Inglaterra, e sua equipe já mostraram que a exposição a campos eletromagnéticos de baixa frequência pode redefinir o tempo dos ciclos circadianos das moscas-das-frutas, levando a alterações na duração do sono.


Se isso fosse verdade também para os humanos, poderia ser uma explicação para as mudanças bruscas de humor observadas nos pacientes bipolares de Wehr e Avery.

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